sexta-feira, junho 02, 2006

Sabia lá eu


Sabia lá eu que era a última vez que tínhamos estado juntos.
Ele não estava na cama. Deixei-me ali ficar uns minutos a apreciar a beleza da luz da manhã. Pensei que ele talvez tivesse ido tomar banho, mas nunca mais ouvia a água correr. Fui até à cozinha pronta a fazer uns ovos mexidos com bacon, que ambos tanto apreciamos, e em cima do balcão branco,

branco como os lençóis
branco como este vazio que me invade agora

estava um recado escrito na sua letra catastrófica. E apenas dizia 'Tenho que ir embora. Não pensei que fosse tão cedo, mas como sabes não tenho escolha. Sê feliz. Um beijo...V.'
Puxei uma cadeira e sentei-me. Não sabia o que havia de pensar. Sabia que isto era inevitável e iria acabar por acontecer, mas caramba, nunca pensei que fosse tão cedo. E agora? Não conseguia pensar com clareza. Enfiei dois Xanaxes e bebi meia garrafa de whiskey quase de seguida. Acendi um cigarro e deixei-me ali ficar a olhar o vazio

a sentir o vazio

vagueei pela casa à procura das coisas dele, ele que nunca se tinha instalado, só tinha umas coisas aqui e ali. Mas poucas, sempre poucas, como quem diz

não vale a pena instalar-me, um destes dias vou embora

Mas coisas suficientes para se perceber que ali vivia um hóspede permanente e que qualquer outro não seria tão bem-vindo.
Tentei telefonar-lhe, mas tinha o telemóvel desligado. Vesti umas calças e uma t-shirt e fui à rua comprar mais cigarros e bebidas.
Avizinhavam-se longos dias de bebedeira e de embate no fundo do poço.

Framboise